Teatro Providência no Largo das Mercês - Joseph Léon Righini.

Teatro Providência no Largo das Mercês - Joseph Léon Righini.
Teatro Providência no Largo das Mercês - Litografia de Joseph Léon Righini. Fonte: Centro de Memória da UFPA

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Benedito Nunes e o teatro paraense

27 de fevereiro de 2021 completa 10 anos da morte de Benedito Nunes, importe pensador paraense do século XX. Algumas homenagens estão sendo feitas à memória do professor e crítico, como o Seminário In Memorian de Benedito Nunes, promovido pelo Programa de Pós-graduação e do Curso de Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Pará, disponível na página do YouTube do Grupo de Pesquisa Poiesis/UFPA (https://www.youtube.com/channel/UC4OED9r6F0BFb1lxZ7NCXNw).

No dia de hoje (27/02), ocorrerá o evento, on-line, 10 Anos sem Benedito Nunes, com duas mesas: 1. Benedito Nunes e o Ensino de Filosofia; 2. A Poesia em Benedito Nunes. Será transmitido pelo canal do YouTube Benedito Nunes ( https://www.youtube.com/watch?v=bDw5r-zLazo&feature=youtu.be&fbclid=IwAR1ZdNctTzDNxD0iilP4QQHEFe91oJhsQ4fQJ5JvwK3sHCqvPnWRai6_a68 )


Como forma de homenagear esse importante pensador paraense, compartilho um artigo que escrevi em 2018, para a Revista Cult.

BEZERRA, José Denis de Oliveira. Benedito Nunes e o teatro paraense. In: CHAVES, Ernani (Org.). Dossiê Benedito Nunes, o filósofo da poesia. Revista Cult, Ano 21, n.231, 2018, p. 26-29. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/benedito-nunes-e-o-teatro/


Analisar práticas culturais significa também fazer uma reflexão sobre as relações entre sujeitos e instituições, com o objetivo de pensar e articular ações que se proponham a modificar ou criar mecanismos de “modernização” da cultura. Nesse complexo emaranhado entre pensamento e prática, a arte tem um papel fundamental para pensarmos sobre teorias culturais e a organização da sociedade.

Nesse universo de possibilidades de leitura, as relações entre cultura e pensamento, entre práticas sociais e arte, destaco a importância de grupos de teatro e de intelectuais ligados a esse setor, para, nesse caso especial, elucidar questões importantes para a história e cultura amazônica/paraense. Esse percurso é marcado pela presença de Benedito Nunes à frente de um importante movimento: o teatro amador do século XX.

A presença de Benedito Nunes no teatro local se deu de maneira diversa, apesar de breve, mas que significou uma potência tanto para a produção da época, quanto para os estudos posteriores sobre a história do teatro na região Norte do país. Sua participação nessa história pode ser elucidada tanto no nível do pensamento sobre a modernização das instituições e da arte e cultura amazônicas, através de seus textos críticos (disponíveis em livros, jornais, cartas, etc.), quanto na sua participação no grupo de teatro Norte Teatro Escola do Pará (1957-1962), conduzido junto com sua esposa Maria Sylvia Nunes e sua cunhada Angelita Silva.

Somado a esses fatores, destacamos, ainda, a sua passagem pela administração e docência no Serviço de Teatro da Universidade do Pará (atual Escola de Teatro e Dança da UFPA), a primeira instituição pública de ensino de teatro da região amazônica, entre 1962 e começos de 1967, quando precisou deixar o Brasil, indo para a França, depois de responder a um processo instaurado contra ele, como diretor da Escola de Teatro. “Entrevistei-me com o Reitor, de tarde, quando lhe apresentei meu pedido de renúncia do cargo de Coordenador. Não quis aceitar, pedindo-me 24 horas para refletir. [...] Muito sonolento durante o dia, lembrando, em meio à sensação de liberdade que experimento ao desprender-me do Serviço de Teatro, que tenho trinta e sete anos, dois livros e um processo militar” (Benedito Nunes, Texto Manuscrito em 1967. In: CHAVES, Lilia. O amigo Bené: fazedor de rumos, 2011, p.42).

Em minhas pesquisas sobre a história do teatro paraense, considero que o movimento teatral amador em Belém do Pará, durante três décadas, foi articulado por um grupo de artistas e intelectuais envolvidos com o projeto de modernização da cultura. Essas transformações, acreditavam eles, se dariam por meio da experiência estética com obras da tradição ocidental e nacional juntamente com as vanguardas da época. Essa postura colaborou na elaboração de um projeto de cultura que via nas formas eruditas um caminho para mudar a cena artística/teatral local, criticada pela presença dos gêneros de então, marcados pelas formas do “teatro feito para rir”, tradição essa que vinha desde a virada do século XIX para o XX, ocupando os palcos locais e nacionais.

Além dessas questões estéticas, o movimento se articulava local e nacionalmente, junto a personalidades, como Paschoal Carlos Magno, figura central do movimento amador teatral brasileiro, feito por estudantes de todo o país. Paschoal se empenhava na criação de espaços de cultura e festivais nacionais de teatro, responsáveis pela circulação; e, em muitos casos, ao estímulo à produção teatral e órgãos do Estado para a promoção de políticas que pudessem transformar e modernizar as artes cênicas nacionais.

Em síntese, esse movimento cultural procurou criar ambientes (suplementos literários, revistas de arte e cultura, cineclubes, grupos de teatro, escola de arte) de trocas de experiências estéticas, impulsionado pela visão de uma transformação social, política e econômica. Para isso, Benedito Nunes produziu reflexões sobre a importância da arte, da ciência e da cultura para a transformação da Amazônia. Em um texto, Panorama Cultural: 1959 (publicado, em 1959, na sua página do jornal O Estado de São Paulo, sob o nome de Crônica de Belém), ele faz uma profunda reflexão sobre a produção cultural em Belém durante a década de 1950.

Nessa “crônica”, Benedito Nunes fala dos ganhos e das perdas que a ciência e as artes paraenses tiveram até o momento de sua reflexão. Por meio da memória, somado ao seu aguçado senso crítico,  relata os esforços de instituições de pesquisa, como o Museu Emílio Goeldi; fala das publicações em livros, em diversos campos do conhecimento (poesia, história, geografia, etc.); de espaços que fomentavam as artes (cineclubes, grupos de teatro, suplementos e revistas de artes e cultura); e o pensamento sobre a produção artística e cultural paraenses, destacando, entre tantas questões, o autodidatismo e os esforços dos “jovens” promotores da arte teatral: “são autodidatas quase em estado puro, como são autodidatas os rapazes e moças de Norte Teatro Escola, fundado em 1957, e que se apresentou, com êxito, nos dois Festivais Nacionais de Teatros de Estudantes, exibindo em Recife, ‘Morte e Vida Severina’, de João Cabral de Melo Neto e, em Santos, recentemente, ‘Édipo-Rei’, de Sófocles. Norte Teatro Escola possui agora fama, devido ao sucesso alcançado em Santos (prêmio de viagem à França para a diretora, Maria Sylvia, e o prêmio ‘melhor ator’ para Carlos Miranda, no papel de Édipo), mas não passa de uma ilha”.

Nesse fragmento citado, percebemos o destaque alcançado pelo seu grupo de teatro, devido à participação nos festivais nacionais promovidos por Paschoal Carlos Magno (1958 em Recife, e em 1959, em Santos); e a ponderação de que, mesmo com a fama conseguida, o Norte Teatro Escola do Pará ainda era uma ação muito restrita, “uma ilha”, ou seja, notamos a percepção de que muito se precisava fazer para transformar a produção cênica em Belém.

Em outro texto, publicado em sua página no jornal O Estado de São Paulo (Suplemento Literário, 1959), ele faz um relato sobre a apresentação da tragédia sofocliana, Édipo Rei, em Santos, pelo II Festival de Teatro de Estudante do Brasil. Destacamos o seguinte fragmento: “Grupo novo ainda, com dois anos de tentativas e erros, sem ter uma experiência assegurada pela força da tradição e pelo hábito dos espetáculos teatrais, Norte Teatro, Escola no nome e na intenção, encontrou inúmeras dificuldades teóricas e técnicas para encenar Édipo Rei, de Sófocles, apresentado no II Festival Nacional de Teatros de Estudantes, em Santos. A escola de teatro que nos falta, e que dificilmente poderemos conseguir nos próximos dez anos, a cessação da vida teatral praticamente consumada desde 1953, o sono letárgico em que adormece o Teatro da Paz, majestoso, sobressaindo dentre as mangueiras da Praça da República - todas essas ausências, agravadas pela total pobreza do grupo, até então desestimulado pelos poderes públicos, pareciam tornar inexequível a encomenda de Paschoal Carlos Magno aos nossos amadores que, por sua própria vontade, jamais teriam ousado mexer com os séculos gloriosos da tragédia grega”.

No texto, percebemos que Benedito Nunes procura relatar o processo de concepção e realização do espetáculo. Contudo, ele também reflete sobre as dificuldades e desafios dos grupos, em especial o seu, de produzir teatro em Belém, na época. Critica o poder público pela ineficiência e ausência de políticas para o setor, por meio do relato da ocupação do Teatro da Paz, o mais importante e único teatro da cidade naqueles tempos, pela Assembleia Legislativa do Estado, cujo seu prédio tinha sofrido um incêndio e que passara a ocupar a sala de espetáculos para seus encontros e sessões.

O envolvimento de Benedito Nunes com o teatro, através do Norte Teatro Escola do Pará, se deu, no trabalho de tradução de textos como Édipo Rei (1959) e Biedermann e os Incendiários, de Max Frisch, em 1962, inédito nos palcos brasileiros e apresentado em Porto Alegre, durante o IV Festival de Teatro do Estudante; na direção colaborativa do Grupo, juntamente com sua esposa; na produção crítica, por meio dos suplementos literários. Além disso, por meio da análise da sua correspondência com Paschoal Carlos Magno, observamos que ele passou a ser o articulador do movimento de teatro amador na Amazônia, entrando em contato com grupos de Manaus, Macapá e outros, estimulando suas criações, permanências e ida aos festivais nacionais.

Por fim, destacamos a sua atuação no Serviço de Teatro da Universidade do Pará, por meio da direção do órgão e na docência (ele ministrou de 1962 a 1967 as disciplinas Estética e Psicologia). O primeiro ciclo da Escola de Teatro foi marcado pela presença de Bendito Nunes, Maria Sylvia Nunes, Francisco Paulo Mendes (professores locais) e Amir Hadadd, Carlos Eugênio Marcondes de Moura e Yolanda Amadei (professores convidados vindos de São Paulo).

A criação dessa instituição de ensino tem um significado importante para os artistas de teatro de Belém, que lutavam há décadas pela sua criação. Porém, a participação do Norte Teatro Escola nos festivais nacionais, juntamente com a figura de Benedito Nunes (que desde 1954 atuava no ensino superior, inicialmente na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e depois, na Universidade do Pará, quando implantada em 1957; em 1961 foi contratado como professor da Universidade) foram fundamentais para a instalação da Escola de Teatro.

Em 1967, Benedito Nunes se retira da gestão e da docência da Escola de Teatro e passou a atuar em seus outros campos de conhecimento, como a elaboração do projeto de criação, em 1975, e a implantação e direção do Curso de Filosofia da UFPA em 1976. Essa retirada nos possibilita muitas leituras, porém, nesse momento, dizemos que ele representou o fechamento de um ciclo, das formas e práticas teatrais brasileiras/paraenses presentes desde a década de 1940. O teatro em Belém ganhou novos sentidos, novos atores sociais e a presença e a voz de Benedito Nunes foi silenciando-se para esse campo artístico, ganhando as páginas da memória e das reminiscências presentes muito mais na voz e em pequenos atos memorialísticos do que a escrita histórica de nosso teatro.

Benedito Nunes tem uma importância fundamental para a história moderna e contemporânea do teatro paraense. Sua atuação na área, de diversas maneiras, ainda é um campo para reflexões, tanto para a historiografia das artes na região amazônica, quanto para os estudos sobre os vários campos de conhecimento nos quais ele se dedicou como crítico, professor, e articulador de ideias e projetos culturais. 

Abaixo, imagens que não constam no artigo publicado na Revista Cult. Pertence ao acervo de pesquisa de Denis Bezerra.

 

Figura 1. Solenidade de formatura do Curso de Formação de Ator da turma de 1966, realizada no Teatro da Paz. Benedito Nunes acompanhado de sua esposa, Maria Sylvia Nunes (primeira da direita para a esquerda), entregando o diploma à Nilza Maria, uma das mais importantes atrizes paraenses no teatro, cinema e televisão.

  

Fonte: Jornal A Província do Pará. Acervo de pesquisa de Denis Bezerra/Perau-UFPA/CNPq.


Figura 2. Programa da disciplina Estética (3º ano) do Curso de Formação de Ator, ministrada por Benedito Nunes em 1966.

Fonte: Laboratório de Memória da ETDUFPA. Acervo de pesquisa do Grupo de Pesquisa Perau - Memória, História e Artes Cênicas na Amazônia/UFPA/CNPq.